Olá Galera,
O ensino religioso é, nas escolas públicas municipais de Rio Preto-SP, disciplina obrigatória de caráter facultativo às famílias. Não por acaso, suas aulas constam da composição curricular e estão previstas no quadro horário da escola.
A perspectiva adotada para as
séries finais do ensino fundamental sugere um trabalho focado na história das
religiões, razão pela qual a disciplina é parte integrante do currículo dos 8º
e 9º anos. Mas, se o propósito dessa disciplina é o de ampliar o repertório do
conhecimento histórico, propriamente dito, o debate que se coloca é por que motivo
não se incluiu, pura e simplesmente, esse conteúdo, no rol dos temas e
conteúdos desenvolvidos nas aulas de História dessas séries? Afinal de contas,
para que serve o ensino religioso, propriamente dito?
Com o objetivo de aprofundar
esse debate, lançamos algumas questões para a reflexão:
1. O Estado brasileiro,
diferentemente das sociedades teocráticas (como é o caso da República Islâmica do
Irã, pra ficar em apenas um exemplo) é um Estado laico. Ou seja, não existe
religião oficial desde a promulgação da primeira Constituição Republicana de
1891: “Todos os indivíduos e confissões religiosas podem
exercer pública e livremente o seu culto” (Artigo
72 - § 3º) nesse sentido, como se explica a existência do ensino religioso?
2. Qual deve ser a função do
ensino religioso numa sociedade regida pelo Estado democrático de direito?
3. Se o ensino religioso é
obrigatório, como se justifica o caráter facultativo de sua organização?
4. Qual é a relação existente
entre ensino religioso e a formação de valores humanos como a tolerância, a diversidade
e o espírito democrático em nossa sociedade?
Para respondermos essas, e outras questões pertinentes
ao tema, proponho que assistam a sustentação oral da ADI 4439 feita pelo
professor Túlio Viana no Supremo Tribunal Federal e leiam a transcrição que fiz
dessa arguição (abaixo). Ao final, respondam ao formulário proposto.
ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS
PÚBLICAS
DR TÚLIO VIANA (UFMG)
A questão que se coloca nesse
plenário (Trata-se do plenário da Suprema Corte, o Superior Tribunal Federal,
órgão superior do Poder Judiciário no Brasil), mais do que discutir a ideia de
laicidade, é a própria concepção de “Estado Democrático de Direito” (regime
político-jurídico da República Brasileira).
É preciso pensar se o Estado
Democrático de Direito” é uma “ditadura da maioria”, onde as religiões
majoritárias definem, e recrutam à partir de seus critérios, os professores que
deverão lecionar o ensino religioso nas escolas públicas financiadas com
dinheiro público; ou se nós devemos pensar em um espaço, onde mesmo as crianças
e adolescentes das religiões mais diversas, conseguem conviver numa mesma sala
de aula.
Portanto, trata-se aqui de se
pensar que tipo de mensagem nós queremos passar para as gerações futuras.
Nós vamos separar crianças e
adolescentes em sua idade de formação mais elementar (Educação Infantil e
Ensino Fundamental) em grupos, para que tenham aulas de diferentes visões
religiosas e/ou ideológicas, completamente distintas em muitos casos? Nós
guardaremos essas gerações em “bolhas ideológicas, refratárias ao pensamento
divergente?
Ou, vamos pensar num ensino,
numa mesma sala de aula, onde é possível reunir crianças e adolescentes de
diversos credos, provenientes de famílias com visões religiosas completamente
diferentes, onde possam aprender a visão de mundo e os valores de outras
famílias ou de outras religiões?
É preciso reconhecer que o
ensino confessional facultativo já existe. Existe nos catecismos das igrejas
católicas, existe nas escolas dominicais protestantes, existe nas mocidades dos
grupos espíritas, existe nos espaços criados e vivenciados das mais variadas
religiões.
O que não existe hoje é uma
possibilidade de aprendizado ampla e plural para uma família que deseje que
seus filhos tenham uma capacidade de pensar as mais diferentes dimensões
religiosas e espirituais de forma livre e independente do pensar religioso
confessional, propriamente dito.
E somente a escola pública pode
oferecer esse conhecimento e, é por isso que a nossa Constituição prevê o
ensino religioso, ainda que facultativo. E daí que muitos dirão: “se é
facultativo é por que se pensou no ensino religioso de uma determinada
confissão religiosa!” E eu digo: Não! Não foi por isso que se garantiu esse
princípio! A Constituição manteve esse princípio por respeito às famílias que,
ainda que por visão equivocada, sejam refratárias ao aprendizado de culturas
religiosas diferentes da fé que professam em suas famílias.
É preciso dizer que, para a
maioria de famílias tolerantes à diferença, o ensino religioso não-confessional
pode acrescentar muito à formação das crianças e adolescentes, não somente na
formação de valores e saberes religiosos, mas na formação de “espírito
democrático”. Essas famílias entendem que é possível ensinar as crianças e
adolescentes a conviver com aqueles que pensam de uma forma completamente
diferente em sala de aula. Essas famílias acreditam que não é preciso segregar
as crianças e adolescentes em grupos que não dialogam, “presos em suas bolhas”.
A função do ensino religioso é
preparar crianças e adolescentes para a vida em sociedade, para a convivência
na diversidade e para uma maior tolerância nas relações cotidianas.
Portanto, se quisermos
interpretar a nossa constituição, na perspectiva de um Estado laico e de uma
sociedade democrática e plural, a única forma de interpretarmos é aquela que
pensa o ensino religioso como o ensino daqueles que “estão separados”,
mas que, acima de tudo, “são iguais”.
O ensino religioso aponta para
a formação de um ser humano que convive com a diferença, que se relaciona com
seus iguais em sua pluralidade. O único ensino religioso possível num Estado
laico, financiado com dinheiro público, é o ensino religioso não confessional.
O texto (acima) é uma transcrição da sustentação oral feita pelo Prof. Túlio Vianna (Professor de Direito da UFMG) na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4439 no Supremo Tribunal Federal (STF) na qual foi debatido o ensino religioso nas escolas públicas. Essa transcrição foi feita pelo Professor Celso Barreiro – Escola Municipal Luiz Jacob, São José do rio Preto - SP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário