PATRIAMADA
ENTRE O NOVO E O VELHO
Embalado por uma trilha sonora recheada de
belíssimas músicas de Alceu Valença, o filme “Patriamada” de Tizuka
Yamazaki é uma obra prima que combina ficção e documentário na produção de um
drama bastante original.
O filme se passa no contexto da mobilização
nas ruas pelas diretas-Já em 1984 e foi feito no calor dos acontecimentos. O
triangulo amoroso entre um grande empresário da construção civil, um jovem
cineasta e a jornalista comprometida em registrar os acontecimentos da época
das grandes mobilizações de massa é uma metáfora das contradições que o país
vivia durante a transição do final da ditadura militar e o início da Nova
República.
A protagonista sintetiza essa contradição - “espremida” numa relação - entre um velho empresário (que está se divorciando, não somente da esposa, mas de um barco que já dá sinais de seu naufrágio – o regime militar) - e um jovem cineasta impulsivo e apaixonado (que tenta salvar o seu filme numa época em que fazer cinema no Brasil sem patrocínio é uma verdadeira façanha).
COMÍCIO DA CANDELÁRIA
O filme registra o comício da candelária que reunião mais de 1 milhão de pessoas em 10 de abril no Rio de Janeiro, o maior comício da história (superado apenas em número de pessoas pelo comício do Anhangabaú na semana seguinte) Esse evento ocorreu 15 (quinze) dias antes da votação da emenda Dante de Oliveira. Esse projeto de Lei, se aprovado, instalaria eleições diretas para os cargos majoritários da República (Presidente, Governadores e Prefeitos)
As eleições diretas haviam sido interrompidas há 20 (vinte) anos por meio do Ato Institucional nº 1 (AI-1). Os atos institucionais foram instrumentos jurídicos de exceção criados pelo regime militar.
As cenas do filme são feitas no calor dos acontecimentos colocando em primeiro plano, ao lado do elenco, artistas, políticos, empresários e representantes sindicais em evidência durante essas mobilizações populares de massa.
PROJETOS EM DISPUTA
Os debates mostrados no filme... em uma reunião de pauta do jornal, ou em uma sala de diretoria de uma empresa nacional, ou mesmo em entrevistas durante o comício são representativos dos debates da época:
1. A contradição
entre interesses nacionais e multinacionais; a difícil escolha entre
produzir ou investir na especulação financeira;
2. A
classe média (representada pelos jornalistas e cineastas) vivendo
entre a euforia e a depressão, ilustrada pela conversa, ora animada, ora
decepcionada com os resultados das manifestações;
3.
O discurso dos
artistas (Milton Nascimento, Lucélia Santos, Sônia Braga...) e políticos (Leonel
Brizola, Severo Gomes, Lula, Fernando Henrique Cardoso) entrevistados durante a manifestação;
4. As cenas capturadas que revelam as disputas por espaço na avenida (como na polêmica em torno do direito de portar as faixas e cartazes dos movimentos sociais) e a contradição entre a liberdade de expressão e a repressão (evidenciada pela imagem de um policial da tropa de choque carregando uma bandeira retirada de lideres populares).
EMENDA DANTE DE OLIVEIRA
Em 25 de abril de 1984 é votada a Emenda Dante de Oliveira. Apesar do amplo apoio das massas, a emenda é rejeitada. A cena da votação no congresso, embalada pelo hino nacional cantada ao fundo, termina triste e melancólica diante do resultado final. São 298 votos favoráveis, 65 votos contrários e 3 abstenções. (A emenda não conquistou os 2/3 dos votos necessários pelo quórum regimental).
Entre as ausências registradas, o filme destaca a
falta do deputado Paulo Maluf, candidato à Presidência pelo partido apoiado pelo governo.
Terminada a votação, inicia-se a campanha pela eleição de Tancredo Neves à Presidência com a criação dos Comitês Pró-Tancredo. A classe
média se vê diante da contradição proposta pelo filme. Entre o novo, que
teima em nascer (a gravidez da protagonista é simbólica) e o velho que resiste
em mudar... É a classe média sendo desafiada a tomar posição diante do quadro.
A METANARRATIVA DO FILME
Outra característica de Patriamada é a
metanarrativa construída em torno do próprio filme. A obra é, em si, é uma
metáfora da eleição do povo como protagonista da História. As entrevistas de rua
com o “cidadão comum” lavando carro, saindo para o trabalho; as imagens do índio frágil
tossindo enquanto protesta com o seu facão; a música triste tocada na saída do shopping, são exemplos da eleição das pessoas simples como personagens
da História.
Algumas cenas construídas com imagens de época expressam as contradições da transição para a Nova República: Golbery X Ulisses Guimarães; Maluf X Dante de Oliveira; Tancredo X Figueiredo; Montoro/FHC X Brizola/Lula.
O POVO COMO PROTAGONISTA DA HISTÓRIA
Essa interpretação faz todo sentido naquele
contexto em que “o povo ocupa as ruas”. Trata-se de uma mudança de
perspectiva, de olhar da classe média, que se manifesta ali... Naquele momento único da História, de virada. Afinal, como na pergunta-síntese
da jornalista: “De que lado a classe média está?” É
o próprio cinema que se pergunta a si próprio qual é seu papel na História.
O esforço metanarrativo fica evidente também em outra provocação: “Descobriu que a vida não é só cinema?” (colocada, sutilmente, na boca da ex-mulher do jovem cineasta). O mesmo ocorre no diálogo entre o velho empresário e os jovens artistas, “Você não ama o velho? E qual é o novo que você propõe?” Ou, ainda, no emblemático final em que "o velho abraça o novo!"
São José do Rio Preto, 20 de Julho de 2021, Celso Aparecido de Cerqueira Barreiro, Historiador
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