O
músico brasileiro Chico Buarque tem uma canção que diz: “Morena de Angola
que leva o chocalho amarrado na canela”. Em Angola, um dos países estudados
nessa atividade veremos que o hábito de pendurar o chocalho na canela persiste
em angola até os dias de hoje. Vejamos o que essa atividade sobre Angola e
Moçambique tem a nos acrescentar sobre o tema.
EPISÓDIO 9: ANGOLA
Angola é o país que mais enviou seres humanos para serem escravizados no Brasil. Não por acaso, a cultura banto é parte integrante de nossos traços culturais mais expressivos. Angola viveu, nos anos da descolonização, uma profunda guerra civil (Guerra de independência de 1961 à 1974 – Angola x Portugal e Guerra civil de 1975 à 2002 – entre grupos políticos de angolanos em disputa pelo poder) que deixou suas marcas na paisagem, como se observa nas paredes cravadas de balas dos prédios da cidade.
Luanda, capital de Angola, é uma cidade
marcada pela contradição. Como numa cidade brasileira, vemos a convivência da
mais sofisticada riqueza e luxo ao lado da mais extrema pobreza. A construção
civil, bastante promissora, mostra um país no ápice da riqueza produzida pelo
petróleo. Um dos monumentos à memória da escravidão em Luanda é a fortaleza de
São Miguel no centro de Luanda. Nessa fortaleza há uma estátua imponente da Rainha
Nzinga, um dos ícones da luta dos africanos contra a escravidão em Angola. Em
Luanda há, ainda, um museu da escravatura, uma antiga casa de um traficante de
escravos convertido em museu histórico.
PUNGO ANDONGO E OS REINOS DO CONGO
Saindo de Luanda pelo Rio Kuanza em direção
ao interior encontra-se a cidade de Massangano e Kambani onde há alguns outros
importantes monumentos da memória da escravidão. No centro de Angola há um
parque, o Parque Nacional das Pedras Pretas de Pungo Andongo. Conta a lenda que
a “pegada” (marca feita na pedra) existente naquele lugar foi da Rainha Nzinga.
Os traficantes negros de Angola e do Congo abasteceram
o tráfico de seres humanos escravizados em direção ao rio de Janeiro, Salvador
e Recife. O Congo foi palco de um dos maiores reinos africanos da história que
compreendia um território abrangente que alcançava os dois Congos e Angola na
atualidade. Esse reino foi um dos primeiros com os quais Portugal entrou em
contato e estabeleceu negócios no século XV.
RELIGIÃO E RELIGIOSIDADE
Nessa região, a igreja católica teve papel
preponderante o que contribui significativamente para destruição do reino. A
divisão do reino do Congo, com a criação do reino de Angola na região conhecida
como Djongo, foi o ponto de partida para esse processo.
Samba significa oração, rezar. Ora, se falar com Deus, com as entidades religiosas perpassa a totalidade do ser humano é no corpo, nesse ritmo, nessa dança, que se faz o vínculo com a espiritualidade.
FEMINISMO NEGRO
A mulher angolana teve papel estratégico na
formação da língua portuguesa falada nas colônias. É de Angola que surge a
figura da Babá, a cuidadora das crianças, a primeira pedagoga da cultura banto
no Brasil. A mulher preta está na base da formação da sociedade brasileira. É
fato que as mulheres pretas tiveram papel central na formação do povo
brasileiro, embora um papel não reconhecido.
A rainha Nzinga é uma figura emblemática da
resistência escrava. Ela nunca se curvou à dominação portuguesa. E assim ela se
tornou um símbolo da resistência feminina negra. O fato é que recuperar o lugar
da mulher negra na História, ainda que hoje haja toda uma visão mais valorizada
dessas figuras emblemáticas, não é um caminho fácil.
O feminismo negro ganha uma proporção muito
grande em nossos dias. As jovens negras, mais escolarizadas e engajadas do que
num passado próximo, hoje assumem seus cabelos, recriam narrativas e se
solidarizam entre si de um modo novo que não se conhecia até pouco tempo.
EPISÓDIO 10: MOÇAMBIQUE
ESCRAVIDÃO TARDIA
Moçambique é um caso particular bastante
diferenciado na História da escravidão brasileira. Trata-se de um outro oceano,
o Oceano Índico, de uma outra rota e de uma outra época, da chamada “escravidão
tardia” já no século XIX. Essa rota somente foi acionada a partir do final do
século XVIII e início XIX devido a intensificação da repressão ao tráfico
transatlântico de negros pelos ingleses. Moçambique se torna, então, uma
alternativa numa época que o tráfico de negros da África para o Brasil já era
ilegal.
Nesse contexto, há uma mudança no perfil
demográfico dos seres humanos traficados. Entre 1530 e 1800, eram trazidos
homens jovens maduros para serem inseridos imediatamente no mercado de trabalho
das fazendas e cidades coloniais. Á partir de 1801 em diante, esse perfil muda.
Gradativamente, vão sendo aumentados o número de crianças, principalmente
meninas, no tráfico escravo. Por quê? As elites brasileiras investem nesse
padrão por que precisam de resolver 2 (dois) problemas: 1) aumentar a
longevidade dos escravos das fazendas, minas e cidades por que sabem das
dificuldades em adquirir novos escravos por meios ilegais e; 2) investem em
meninas com o objetivo de promover a reprodução de negros escravos dentro da
própria propriedade.
MONUMENTOS À MEMÓRIA DA ESCRAVIDÃO
A fortaleza de São João Batista é bastante
diferente das outras vistas até então por causa de sua estrutura de traços
geométricos, típicos arquitetura árabes-muçulmanos. É um lugar que carrega essa
mistura do árabe com o português. E o curioso é que essa mesma fortaleza foi
utilizada durante o período das lutas civis pela independência para aprisionar
os rebeldes aliados de Samora Machel. Era lugar de uma tremenda dor como lugar
de memória por que vários corpos negros estavam enterrados ao lado das muralhas
do forte. A fortaleza de São Sebastião é um outro monumento da memória da
escravidão.
RACISMO: FILHO DA ESCRAVIDÃO E DA ABOLIÇÃO
NEGADA
A escravidão implantou a marca do racismo
na sociedade brasileira. E o que as pesquisas vem mostrando é que a sociedade brasileira
ainda não superou o racismo e, ao que tudo indica, está longe de superar. E há
uma tensão embutida, como em qualquer luta de construção da igualdade. Hoje já
somos menos invisíveis, mas não alcançamos a visibilidade a que temos direito,
que a gente mercê por toda contribuição de homens e mulheres, principalmente
das mulheres, na construção desse país. Em Moçambique, a divisão social fica
evidente na arquitetura da cidade de pedra e cal na ilha e da cidade em nível
mais baixo que fica no continente. Ou seja, uma imagem do racismo ambiental que
ficou marcado pela construção da escravidão na sociedade.
Os historiadores vêm tentando entender até
hoje o impacto que a escravidão tem no tecido social brasileiro. O racismo
parece ser o reflexo mais direto do que foi esse processo de tráfico e de
escravização de seres humanos. A escravidão acaba em 1888, e um ano depois,
acaba também a monarquia – o que mostra que há um vínculo orgânico entre essas
duas realidades. Por outro lado, a república que se instala também não
incorporou os negros nessa nova realidade. Surgem novas formas de se excluir a
população com a expulsão dos lugares onde residiam há dezenas de anos, com a
exclusão dos serviços públicos e ao mercado de trabalho assalariado.
Não é por acaso, portanto que há uma
sobreposição de negros entre os pobres, os encarcerados, os negros são a
esmagadora maioria entre os pobres, os moradores das “favelas e cortiços”...
E não são só por que são pobres... são pobres por que são negros, por que são
descendentes dessa população de ex-escravos que foi excluída das melhores
fatias do “bolo do desenvolvimento” do país. Essa população descende das
franjas do ex-escravos excluídos após a abolição.
A ÁFRICA QUE NOS HABITA
A África que mudou para o Brasil é uma
África múltipla e diversa porque é composta por negros de diferentes áfricas,
da África Oriental no oceano Índico; da África central, de Angola e da África
Ocidental da região da Alta Guiné e do Golfo da Guiné na costa do Atlântico. A
África que habita em nós é uma África plural. “Os africanos vieram de
diversas regiões... isso explica a variedade de povos africanos e de culturas que
vieram para o Brasil” (Alberto da Costa e Silva)
Ser negro no Brasil no século XXI tem um sentido muito forte de encontro com essas origens, com essas tradições que nos foram negadas ao longo dos séculos. A gente entra no século XXI com mais identidade e orgulho. A gente percebe musicalidades, mentalidades que se assemelham aos povos dos dois lados do oceano. Toda essa herança riquíssima que as pessoas levavam escritas em seus corpos, em suas mentes, tecem uma outra África no Brasil.
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