ATIVIDADE 5: O "DESCOBRIMENTO" DO BRASIL

O DESCOBRIMENTO DO BRASIL

Olá Galera, 

Na semana passada discutimos o conceito de "Descobrimento" e a polêmica que envolve o tema na historiografia moderna. Analisamos as Grandes Navegações Marítimas, e os Projetos em disputa, com ênfase para o caso do navegador genovês Cristóvão Colombo que viajou à serviço da coroa espanhola e "descobriu" a América em 1492. Nessa aula, nos determos um pouco mais no chamado "Descobrimento do Brasil". Então vejamos:





O DESCOBRIMENTO DO BRASIL

Em Lisboa (capital de Portugal) há um monumento aos grandes navegadores chamado o “Padrão dos Descobrimentos” (figura acima). O monumento é interessante porque retrata os grandes navegadores que marcaram a História do ponto de vista dos portugueses.

Nessa perspectiva, é curioso observar que as figuras diretamente vinculadas ao "Descobrimento do Brasil", propriamente dito, não possuem para os portugueses a relevância que tem para os brasileiros.

No padrão português, Pedro Álvares Cabral, o mais conhecido navegador português pelos brasileiros, é o quarto dos retratados atrás até de um Antônio Baldaia, um desconhecido dos brasileiros.

E, pasmem, Pero Vaz de Caminha, o principal cronista do descobrimento sequer é um 32 (trinta e dois) personagens retratados no monumento. E, não é por falta de opção em retratar os cronistas, João de Barros e Gomes Eanes de Zurara fazem parte do panteão monumental. 

PADRÃO DOS DESCOBRIMENTOS - PORTUGAL

O Monumento é uma prova de que o chamado descobrimento do Brasil é, do ponto de vista dos portugueses, uma mera escala na viagem do Estado Português rumo às índias.

Vasco da Gama é, no panteão, o mais importante personagem (disputando a honra do primeiro lugar em condições de igualdade com o próprio Rei Afonso Henrique) O olhar de Vasco da Gama está projetado acima do olhar do próprio rei, o que não é pouca coisa!

O monumento português conta uma história do descobrimento diferente da que conhecemos: Pedro Álvares Cabral ocupa a 4ª posição; o cronista Pero Vaz de Caminha, cuja a carta é reconhecida como a primeiro documento escrito de nossa História, sequer consta no panteão.

Hoje sabemos que o descobrimento do Brasil não foi produto do acaso. Os portugueses haviam assinado um acordo sobre a posse dessas terras com a Espanha em 1494 (Tratado de Tordesilhas), de forma que a existência do território (ainda que de dimensão desconhecida) não constituía, de todo, uma novidade para Cabral.  

CABRAL E O "DESCOBRIMENTO" DO BRASIL

Na aula passada, vimos que o conceito de “descobrimento” foi "colocado em xeque". De fato, em 22 de abril de 1500 (data que se comemora nessa semana), quando a esquadra de Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, as terras brasileiras já eram ocupadas pelos povos indígenas.

Além disso, hoje temos uma documentação histórica consistente que demonstra que muitos outros navegadores (entre os quais Pinzón, Bartolomeu Dias) e náufragos (Diogo Corrêa- Caramuru, Bacharel de Cananeia, João Ramalho) estiveram por aqui muito antes que Cabral içasse suas velas em direção ao “Novo Mundo”.

Cabral saiu de Portugal em 15 de março de 1500 em busca de um caminho alternativo para as Índias com uma verdadeira máquina de guerra. Eram 14 embarcações, 1.500 homens (um cronista do século XVI falava já em 900 homens), entre marinheiros, técnicos em navegação, escrivães, cozinheiros, padres e ajudantes. 

MANUSCRITO DA 1ª METADE DO SÉC. XVI

Vejamos o que diz um manuscrito, redigido em linguagem simples e direta por um tripulante da esquadra de Pedro Álvares Cabral:

"Depois da vinda do Almirante Dom Vasco, El-Rei (O Rei) se informou dele do que seria necessário, e forneceu uma armada de 13 naus e uma caravela a Pedro Alvares Cabral por Capitão-mor, e com ele estes capitães, a saber Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Aires Gomes da Silva, Vasco de Ataíde, Bartolomeu Dias, Simão de Pina, Álvaro Dias, Luís Pires, Gaspar de Lemos, Nuno Leitão, Nicolau Coelho e Pêro de Ataíde, com 900 homens. 

Pois estes todos sendo prestes (estando prontos) e as naus de todo aparelhadas, com muito bom tempo partiram da cidade de Lisboa a 20 dias de Março do ano de Nosso Senhor de 1500, e seguindo sua viagem passaram à vista das Ilhas Canárias e de Cabo Verde, e correram em cabo de (ao final de) muitos dias através do Cabo da Boa Esperança. 

Veio uma cerração e chuva e vento que fez soçobrar (naufragar) uma nau, em que se perdeu com toda a gente e, com aquele tempo, correram árvore seca (com a vela amarrada no mastro) seis dias, em cabo dos quais se acharam à vista de uma terra que ainda não era descoberta, a que nomearam Terra de Santa Cruz; foram a ela, sondando, e entraram em uma baía em que todos lançaram âncora. 

A terra é de muita gente nua, sem nenhuma coisa de seu corpo ser coberta, gente baça (morena) e terrenta (avermelhada); têm guerra com outros comarcãos (vizinhos), comem-se uns aos outros quando se podem tomar, têm milhos e inhames e muitos pescados que comem. 

Nesta terra há grande número de árvores de brasil (pau-brasil: árvore de madeira vermelha, semelhante à brasa, da qual se extraía um corante usado em tecidos); não têm com que as cortar nem têm outras armas senão arcos e flechas com pontas de osso. Dormem em redes alevantadas do chão com quatro estacas; se há frio, que lá poucas vezes faz, fazem uma fogueira. 

Fonte: "Crônica do descobrimento e primeiras conquistas da Índia pêlos portugueses". In: ALBUQUERQUE, Luís de. (org.) Descoberta do mundo; Ciclo de edições comemorativas dos centenários das grandes navegações portuguesas (1487-1500). Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1986. pp. 44-6.) 

 

INTERPRETANDO HISTORICAMENTE O MANUSCRITO

1. "Depois da vinda do Almirante Dom Vasco, El-Rei": A viagem de Cabral foi um empreendimento que se insere no contexto do projeto português iniciado por VASCO DA GAMA. Esse navegador havia, depois de muitos anos de empreendimentos marítimos portugueses, encontrado um caminho alternativo para as ÍNDIAS onde um grande empreendimento comercial se instalava;

2. "Forneceu uma armada de 13 naus e uma caravela a Pedro Alvares Cabral": Trata-se do maior empreendimento dessa monta na história. A frota de Cabral era uma verdadeira "máquina de guerra" com 13 naus e 1 caravela, os mais experientes navegadores e uma tripulação enorme. 

3. "Partiram da cidade de Lisboa a 20 dias de março do ano de Nosso Senhor de 1500". A saída de LISBOA foi amplamente divulgada e comemorada o que sugere que se tratava de uma "jogada de marketing da realeza portuguesa para se fortalecer junto à opinião pública da cidade e responder às críticas dos opositores do Rei. A chegada na Bahia se deu em 22 de abril, portanto a viagem de Portugal ao Brasil durou cerca de um mês.

4. "Uma nau, em que se perdeu com toda a gente". O naufrágio da Caravela de VASCO DE ATAÍDE chama atenção para o perigo que envolvia essas navegações - numa época que o "Mar Tenebroso", como era apelidado o Oceano Atlântico, até então um desconhecido para os navegadores.

5. "correram em cabo de[2] muitos dias através do Cabo da Boa Esperança". O CABO DA BOA ESPERANÇA, um dos grandes desafios náuticos da época, havia sido superado por uma manobra de Bartolomeu Dias em 1488. O próprio BARTOLOMEU DIAS era um dos almirantes da frota, provavelmente por ser um dos poucos homens que conhecia o "segredo" do cabo in loco. 

6. "... à vista de uma terra que ainda não era descoberta". Inicia-se aqui uma grande polêmica em torno desse episódio. afinal, foi DESCOBRIMENTO? ou foi um ENCONTRO? ou terá sido um CHOQUE?

7. "... que nomearam Terra de Santa Cruz". Os navegadores se instalaram e ficaram 10 (dez) dias por ali, na chamada "SEMANA DE SANTA CRUZ". Depois disso seguiram seu caminho em direção ao seu objetivo: as ÍNDIAS, e somente retornariam, efetivamente para ocupar a terra, 30 anos mais tarde.

8. "A terra é de muita gente nua, sem nenhuma coisa de seu corpo ser coberta". O contato com os povos originários foi, num primeiro momento, PACÍFICOA estranheza diante de certa "pureza selvagem" dos povos fará desse primeiro momento, um tempo de congraçamento e troca. Segundo relatos de cronistas houve até uma celebração em que Diogo Dias (irmão de Bartolomeu) deu um salto mortal (à época chamado de salto real) diante dos índios maravilhados. Essa fase logo seria substituída por uma época marcada pela escravização indígena.

9. "comem-se uns aos outros". É estranho que, nesse manuscrito, aparentemente tão antigo, já se tenha referências à formas de RITUAL ANTROPOFÁGICO. O acento dado, contudo, "comedores de carne humana" é coerente com os preconceitos com os povos indígenas existentes na época.

10. "Nesta terra há grande número de árvores de brasil" O cronista chama atenção para um aspecto econômico importante a ser considerado num possível empreendimento futuro, desinteressante à princípio. O PAU-BRASIL era um produto bastante apreciado na Europa por causa do pigmento para tingir tecidos que havia na casca de seus troncos. A extração de pau-brasil com mão-de-obra escrava indígena será, de fato, o primeiro negócio montado na América Portuguesa.


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