Como todos sabemos, os negros
não sucumbiram pacificamente à escravidão. Muito pelo contrário, desde que os
primeiros africanos pisaram nessas terras houve pessoas lutando contra essa instituição
nefasta, violenta e desumanizadora.
E essa é uma luta que continua.
No Brasil em que a abolição não garantiu terra, trabalho e condições mínimas de
vida para a população negra, o que restou a esses povos foi fazer da luta parte
da sua vida.
Para conhecermos melhor uma das
mais criativas formas de resistência, os quilombos, que remontam à época da
escravidão, preparamos essa aula/atividade. O primeiro passo será assistir 2
(dois) pequenos vídeos produzidos pelo Canal Preto, uma Organização Não-Governamental
dedicada à criação e divulgação de conteúdo audiovisual voltada à população
negra. Em seguida, veremos um documentário da TV Justiça (canal de TV do STF) intitulado “Os Quilombos no
século XXI” que faz uma apanhado sobre o estado da questão em nossos dias;
e para concluir, leremos uma entrevista de uma advogada da CONAQ (Confederação
Nacional das Articulações de Comunidades de remanescentes de Quilombos do
Brasil) sobre a situação dessas comunidades em tempos de pandemia.
O primeiro vídeo mostra que,
diferentemente do que se pensa, quando falamos de comunidades quilombolas não
estamos falando de alguns poucos grupos de pessoas isoladas pelo sertão. Hoje
são 16 (dezesseis) milhões de negros e negras vivendo nessas comunidades, uma
população maior que a da maior cidade do Brasil, São Paulo.
O programa chama atenção para o
preconceito que sofrem as pessoas que vivem em quilombos no Brasil e a
necessidade de certificação dos territórios previstas pelo artigo 68 da
Constituição Federal. É uma população do tamanho da população de Portugal sem
direito ao reconhecimento ao território destinado a eles como comunidades
remanescentes dos quilombos.
O segundo vídeo do canal preto
defende o direito do povo quilombola ser e viver do seu jeito de modo autônomo.
Nessa perspectiva, o direito à terra é fundamental para garantir a sobrevivência
desses povos frente às ameaças por que o reconhecimento legal institui uma gama
de direitos básicos como segurança, saúde, educação e de viver e,
principalmente, o direito de ser um povo livre do jeito que escolheu ser e
viver sem ter de mendigar trabalho e moradia nos grandes centros urbanos.
QUILOMBOS NO SÉCULO XXI
O programa
da TV Justiça é um pouco mais longo e resgata parte da história do Brasil com o
documentário Quilombos do Século XXI. Nele, líderes do movimento negro e
historiadores afro-brasileiros discutem a questão do racismo estrutural que
vigora no país desde o fim da escravatura, em 1888. Como sabemos, leis que
foram publicadas ainda no Império impediram a emancipação dos descendentes
diretos dos grupos escravizados pelos portugueses. Esa situação se modificou
com a aprovação da Constituição de 1988, que reconheceu o direito de reconhecimento
das terras quilombolas, mas o caminho até a certificação legal e a conquista de
outros direitos é, ainda hoje, um longo e árduo caminho de pedras.
OS QUILOMBOS HOJE
A Constituição Federal do Brasil reconhece a propriedade
definitiva das terras ocupadas por comunidades remanescentes dos
quilombos. Esse reconhecimento oficial inscrito no artigo 68 da CF implica na
salvaguarda e garantia de diversos direitos das comunidades quilombolas, a
exemplo do que ocorre com outras comunidades semelhantes, como as tribos
indígenas. Apesar disso, segundo a advogada Vercilene Dias, assessora
jurídica da Conaq (Confederação Nacional das articulações de comunidades
quilombolas), o governo tem
negligenciado o atendimento dessas populações remanescentes dos quilombos.
Desde o começo
da pandemia de Covid-19 no Brasil até 11 de fevereiro desse ano, 204
quilombolas já haviam morrido, vítimas da nova doença, e quase 5 mil haviam
sido infectados pelo vírus.
Os quilombolas
não aparecem nas estatísticas divulgadas pelo ministério da Saúde. Os números
revelam a gravidade do quadro: em meio a esse grupo, a taxa de letalidade do
vírus é de 3,6%. Maior que na população geral, em que a letalidade é de
3,1%.
Para Vercilene
Dias, a letalidade alta é reflexo da desassistência do Estado. “Na
maioria das comunidades quilombolas, não há unidades básicas de saúde. Quando
há, elas não têm médicos”, afirma. As dificuldades não se restringem à área
da saúde: como a maioria dos quilombos não passou pelo processo de
regularização fundiária, são frequentes os conflitos por terra, que continuaram
durante a pandemia. Em algumas regiões, as pessoas têm dificuldade para acessar
água potável.
A Conaq levou a questão ao Supremo Tribunal Federal (STF). A entidade cobra que o governo desenhe um plano de enfrentamento da pandemia nos quilombos, e trace estratégias que garantam a segurança alimentar dessas populações. Leia a entrevista concedida pela advogada ao site “Brasil de Direitos”.
Brasil de
Direitos: O governo é negligente em relação às populações quilombolas?
Vercilene Dias: Desde 2016, a
gente observa uma grande queda nos investimentos nas políticas públicas para as
comunidades quilombolas. De 2019 para 2020, muitas foram, na prática, extintas.
Em 2020, não foram feitos investimento na titulação de territórios quilombolas.
E esse é o primeiro passo para que esses territórios tenham alguma segurança.
Durante a pandemia, houve um grande índice de invasão a essas terras. Isso
dificulta a defesa do território, e dificulta criar medidas para conter a propagação
do vírus.
A pandemia
agravou esse quadro de desassistência?
Ele ficou mais
evidente. Na maioria das comunidades quilombolas, não há unidades básicas de
saúde (UBS). Onde há, não tem médico, ou equipamento para o médico trabalhar.
Os atendimentos de saúde são feitos por agentes comunitários, que são moradores
da região. E eles não receberam equipamentos de proteção individual para fazer
esse trabalho. Há casos emblemáticos. Na comunidade Kalunga, em Goiás, moram
mais de 900 famílias. Quase 5 mil pessoas vivendo na zona rural. Há uma única
UBS, e não há médico. O médico aparece uma vez por semana, quando aparece. O
mesmo acontecia em Moju, no Pará. Lá, o governo passou a oferecer uma espécie
de atendimento itinerante — passava um ônibus buscando pessoas que tinham
apresentado sintomas da Covid-19. Elas iam todas juntas, ser atendidas na
cidade. Juntas, estivessem infectadas ou não. Acaba que as pessoas se
contaminavam no caminho para a consulta. Além disso, é preciso levar em conta
que há muitos casos de diabetes, hipertensão ou outros problemas pré-existentes
entre quilombolas. Isso tudo deixa essas populações vulneráveis. Para
completar, muitas comunidades têm dificuldades de acesso à água potável. Como
redobrar cuidados de higiene se não há água disponível?
Na ausência do
Estado, os quilombos tiveram de criar estratégias próprias para se proteger?
Algumas
comunidades se organizaram por conta própria. Há exemplos dessas ações
autônomas no Vale do Ribeira, no sul do Estado de São Paulo. No quilombo
Ivaporunduva, a comunidade criou protocolos de isolamento. Eles vivem do turismo
comunitário. Mas ficou estabelecido que não seriam recebidos turistas. O mesmo
se fez no quilombo Kalunga, em Goiás. Mas, o resultado disso é que a renda
das pessoas caiu. A população que vivia do turismo fica sem meios de
sobreviver. Se isolar dentro dos quilombos foi a forma que essas comunidades
encontraram de se proteger. No Pará, a gente teve problemas com esse tipo de
isolamento. Como a maioria dos quilombos não é titulada, há muitas fazendas de
grileiros dentro dessas terras.
Aumentou o número
de conflitos por terra?
Recebemos um
número maior de reclamações relacionadas a conflitos com fazendeiros e
grileiros. E de casos de queimadas dentro dos territórios.
Um levantamento do
Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) indicou que o governo não fez uso
da maior parte da verba que tinha disponível para comprar e distribuir
alimentos às populações tradicionais. Faltou alimento nos quilombos?
É preciso
entender que há realidades diversas entre quilombos. Há aqueles que são
titulados e têm acesso à crédito para produzir. O quilombo Ivaporunduva, em São
Paulo, tem uma produção de alimentos enorme. Mas esse não é o caso da maioria.
A maioria sofre ainda com disputa por terras, tem produção agrícola pequena e
que varia conforme a época do ano. Logo no início da pandemia, a Conaq tentou
dialogar com o governo a respeito dessa questão da segurança alimentar. Também
agimos: com a ajuda de parceiros, conseguimos distribuir mais de 40 mil cestas
básicas. Mas isso não é o bastante. A fome é uma questão que preocupa. O
levantamento do Inesc dá a dimensão do descaso do governo em relação à saúde e
à sobrevivência cultural e física dessas populações. É preocupante. (Fonte:
Portal Brasil de Direitos)
Fonte: https://www.brasildedireitos.org.br/noticias/654-nos-quilombos-falta-de-mdico-gua-potvel-diz-conaq
Nenhum comentário:
Postar um comentário