Até 1946, praticar atos de intolerância religiosa no Brasil não era considerado um crime. Foi só a partir de uma emenda redigida pelo romancista baiano Jorge Amado, enquanto ele era deputado federal pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro), que a liberdade religiosa se tornou lei. Amado se tornou aliado da luta política dos terreiros de candomblé de Salvador, que resistiam ao preconceito desde o período colonial, e conduziu a bandeira da tolerância para dentro da Assembleia Constituinte de 1946. O ‘Nexo’ (O nexo é um jornal digital que possui conteúdo de qualidade científica) explica o envolvimento do romancista na defesa da liberdade religiosa.
O deputado
federal Jorge Amado
Jorge Amado foi eleito deputado
federal pelo PCB pelo estado de São Paulo em 1946. Era a primeira vez que o
Brasil tinha eleições para cargos legislativos desde o início do Estado Novo,
em 1937. O partido de Luiz Carlos Prestes acabara de sair da ilegalidade,
como explicou Anita Prestes, historiadora e filha do líder político
em um artigo de 2006.
À época, Anita conta que Prestes
lutava pela convocação de uma Assembleia Constituinte que tivesse
representantes eleitos pelo voto popular e mobilizou quem havia participado da
luta clandestina do partido para as eleições. A campanha elegeu uma bancada composta pelo senador Prestes e 14
deputados, entre eles, o escritor baiano.
A jornalista e
historiadora Josélia Aguiar conta no livro “Uma biografia - Jorge
Amado”, que o romancista não desejava assumir o posto e que ele inclusive
“deixara pronta uma carta de renúncia ao posto de deputado, caso fosse eleito”.
A candidatura ocorreu a
contragosto do autor, mas após receber 15.315 votos, Prestes disse que a
renúncia causaria péssima impressão. Amado prometeu permanecer no cargo por
três meses, período que se estendeu por dois anos, até a extinção dos mandatos dos deputados comunistas em 1948 em
razão da cassação do registro do PCB.
Divergência com o PCB
Os parlamentares do partido
comunista do período, escreveu Anita Prestes, estavam preocupados com questões como
o problema da divisão de terras no Brasil. As propostas apresentadas pelos
membros do partido tinham pouca receptividade na Casa, e a maioria das emendas
“foram rejeitadas ou indeferidas pelo presidente da Assembleia”, segundo ela.
Além de sua baixa receptividade,
o PCB tinha uma orientação ideológica marxista ateísta, que considera a
religião o ópio do povo. Por essas razões, Josélia Aguiar narra que Amado achou
estratégico não recorrer a seus colegas de partido para aprovar a lei da
liberdade religiosa. O próprio romancista escreveu em seu livro de memórias:
“fosse da bancada - a emenda nasceria morta”.
A biógrafa do romancista diz que
ele fez com que o projeto tramitasse entre várias legendas políticas,
mobilizando uma diversidade de assinantes e garantindo a sua aprovação. No
final, Aguiar escreve que “não foram apenas os adeptos do candomblé e da
umbanda que assinaram, a emenda também se beneficiou do entusiasmo de espíritas
e protestantes”.
A luta pela liberdade religiosa
No livro “Navegação de
cabotagem”, Jorge Amado lembra que a luta contra a discriminação
religiosa, a perseguição aos orixás e a violência desencadeada contra pais e
mães-de-santo estava presente em sua vida desde os 14 anos, quando começou a
frequentar os terreiros de candomblé da Bahia.
Ainda que ateu comunista, Amado
foi próximo de figuras importantes do candomblé e exerceu o posto de Obá de Xangô no Ilê Axé Opô Afonjá,
terreiro de mãe Stella de Oxóssi, no bairro do Cabula, em Salvador. No
cotidiano das cerimônias religiosas, ele diz ter testemunhado “a violência
desmedida com que os poderes do Estado e da Igreja tentaram aniquilar os
valores culturais provenientes de África”.
Recordando de sua participação na conquista da liberdade religiosa, o escritor escreveu: “se de algo me envaideço quando penso nos dois anos que perdi no Parlamento é da emenda que apresentei ao Projeto de Constituição, emenda que, vitoriosa, mantida até hoje veio garantir a liberdade de crença no Brasil” (VALENTINA CANDIDO, NEXO, 02 DE MAR DE 2023)
FORMULÁRIO ONLINE DE ENSINO RELIGIOSO
Se você já leu ou estudou o artigo acima, está na hora de testar seus conhecimentos. Clique no link da atividade 9 (abaixo), responda o formulário e clique no link enviar. Boa prova online.
Nenhum comentário:
Postar um comentário