UMA HISTÓRIA DE AMOR E FÚRIA – RESENHA
CRÍTICA
A animação brasileira “Uma História de Amor e Fúria” conta a trajetória de um hipotético personagem que está vivo há 600 anos e participa de diversas épocas marcantes da História do Brasil. “Viver sem conhecer o passado é andar no escuro”. Essa frase, repetida em determinados momentos do enredo, é o grande fio condutor do filme. Entretanto, não se trata apenas de saber o que aconteceu, mas tentar construir relações, observar possíveis padrões e “evitar que erros cometidos” pelas sociedades se repitam. O site meteoro.doc faz uma reflexão bastante interessante sobre esse filme de animação de 2013. O meteoro chama atenção para um aspecto interessante da obra: a crise hídrica, o papel das milícias na manutenção do sistema; e, por outro lado, a resistência das organizações populares que lutam por uma história com um final diferente. Confira:
UMA HISTÓRIA DE AMOR E DE FÚRIA - RESENHA METEORO
TEORIA DA HISTÓRIA CÍCLICA
Elogios da crítica à parte, é preciso observar as diferentes concepções de História presentes na obra. A primeira abordagem que se observa no filme é a História Cíclica. Ao longo dos séculos, pensadores das mais diversas correntes analisaram a maneira como a história da humanidade se desenrola. Uma das teorias mais conhecidas é a concepção cíclica, desenvolvida por Heródoto na Grécia Antiga.
Em resumo, ela defende que a sociedade passa por grandes acontecimentos que se repetem de tempos em tempos. Mais tarde, Maquiavel também aprova esse pensamento e acrescenta que os ciclos são um resultado da estratégia política dos governantes.
Essa teoria, bastante criticada pelos
historiadores modernos, está em desuso pela ciência, mas é amplamente utilizada
pelo senso comum. Quem já não ouviu expressões do tipo: “Aqui se faz, aqui
se paga” ou de que a “história sempre se repete”.
O historiador Mircea Eliade explica que a
ideia de que a história se repete como se fosse um ciclo interminável de
repetições é de caráter religioso. Quem já não ouviu falar em Karma?
De origem hindu, a teoria do Karma é a mais acabada expressão dessa
forma de ver o mundo. É o que o historiador chama de “mito do eterno
retorno”.
TEORIA MARXISTA DA HISTÓRIA
Outra fonte histórica a ser observada é a concepção marxista. Dentro dessa perspectiva, a história da humanidade é a história da luta de classes. Ora, nesse sentido, o filme apresenta uma relação que foi estabelecida em muitos momentos da história mundial: a opressão e a resistência.
A ideia que o enredo explora não é apenas a falta de água doce, mas sua futura distribuição. O recurso se torna um dos produtos mais cobiçados da sociedade e, com um valor elevado, o seu acesso fica restrito à população com melhores condições econômicas. Disputas pelo controle de rios e bacias hidrográficas transnacionais já são realidade e elevam a tensão em diversas partes do planeta. Seja na relação entre os índios e colonizadores, ou na luta entre populações excluídas da riqueza imperial e o Estado brasileiro, ou na resistência dos jovens contra a ditadura, no passado, por acesso à água doce e potável, no futuro, fica evidente a luta de classes na sociedade, como compreendiam os marxistas.
OS NOVOS PROTAGONISTAS DA HISTÓRIA
O filme explora, ainda, o fato de muitos personagens nacionais e suas lutas terem sido apagados da História do Brasil. Quer um exemplo? A abolição da escravatura é contada, muitas vezes, como se fosse uma grande concessão da Princesa Isabel e da elite da época; e não produto das lutas populares e quilombolas, ou das disputas travadas pelos abolicionistas negros. O próprio Duque de Caxias, mencionado no filme, raramente é retratado pela violência com a qual reprimiu a Balaiada.
Nesse sentido, é fundamental reconhecer que o filme traz à tona, outros protagonistas de nossa história: índios, negros, jovens e mulheres. Essa abordagem nos coloca diante de uma outra concepção historiográfica, a chamada nova história. A nova história, produto da nova escola francesa, que se desenvolveu no início do século XX com a publicação de uma série de artigos assinados por historiadores como Marc Bloch, Fernand Braudel, Jacques Le Goff, numa revista científica conhecida como os annales (os anais da História), trouxe à baila uma revisão historiográfica. Essa concepção tinha por objetivo, entre outros, trazer novos personagens históricos à cena: os trabalhadores, as mulheres, as crianças, os esquecidos da história.
UMA HISTÓRIA FEITA POR ÍNDIOS, NEGROS, JOVENS E MULHERES
A primeira parte da narrativa de "Uma História de Amor e de Fúria" coloca o índio, em primeiro plano, ao mostrar um período da História da colonização do Brasil. Na pele de Abeguar, um índio tupinambá, o personagem se depara com as dificuldades enfrentadas pelos franceses na região em oposição ao poder de Portugal. O filme retrata a confederação dos tamoios e destaca a violência e o genocídio que os índios sofreram nesse conflito.
A segunda parte explora a pobreza e a escravidão
durante o período regencial, ainda no império brasileiro. Manuel do Balaio, homem
livre negro pobre, líder da revolta que ficou conhecida como Balaiada,
lutou ao lado de Cosme, um líder quilombola, em 1825, no Maranhão, contra os
altos impostos e a situação precária imposta á maioria da população. O retrato
mostra o massacre que a população envolvida no movimento enfrentou contra as
forças do governo brasileiro, sob comando de Luís Alves de Lima e Silva, mais
tarde conhecido como Duque de Caxias e celebrado como patrono do exército.
Já em 1970, a ideia foi mostrar o
personagem durante a ditadura militar. Ao lado de Janaína, lutando contra o
regime, ele é apresentado um jovem que é preso e torturado pelas
forças do regime.
Por fim, o filme apresenta uma intensa
disputa pela água em um futuro distópico não muito distante. Nesse
último quadro destaca-se a presença e liderança de uma mulher, Janaína.
É interessante a inversão de perspectiva que coloca a mulher como protagonista
da História.
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