terça-feira, 21 de março de 2023

UM DIA PARA COMBATER O RACISMO RELIGIOSO

 Hoje, pela primeira vez, 21 de março será celebrado como "Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé". O dia foi instituído pela Lei 14.519/2023 sancionada pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em 05 de janeiro desse ano.


O projeto original previa que o dia comemorado fosse em setembro, mas o senador Paulo Paim (PT-RS) defendeu que o dia 21 de março fosse o dia escolhido, já que esse dia é definido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial. 

O Congresso Nacional concordou com a tese de Paim de que a intolerância religiosa deve ser tratada como racismo religioso, o que justifica a coincidência entre as datas. è importante que se saiba que a luta contra a intolerância religiosa no Brasil é antiga. A primeira lei que tratou do tema é de 1946 e foi proposta pelo escritor baiano Jorge Amado. 

 JORGE AMADO E A LUTA CONTRA A DISCRIMINAÇÃO RELIGIOSA

Para celebrar essa data selecionamos um artigo do excelente jornal digital Nexo Brasil. Nele, Valentina Cândido conta a história de como o escritor Jorge Amado, um comunista ateu, contribuiu para o fim da intolerância religiosa no Brasil.    

              Jorge Amado com a mãe menininha dos Gantois, uma das mais 
expressivas lideranças do Candomblé no Brasil

Até 1946, praticar atos de intolerância religiosa no Brasil não era considerado um crime. Foi só a partir de uma emenda redigida pelo romancista baiano Jorge Amado, enquanto ele era deputado federal pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro), que a liberdade religiosa se tornou lei. Amado se tornou aliado da luta política dos terreiros de candomblé de Salvador, que resistiam ao preconceito desde o período colonial, e conduziu a bandeira da tolerância para dentro da Assembleia Constituinte de 1946. O ‘Nexo’ (O nexo é um jornal digital que possui conteúdo de qualidade científica) explica o envolvimento do romancista na defesa da liberdade religiosa.


Jorge Amado com o filósofo francês Jean Paul Sartre

O deputado federal Jorge Amado

Jorge Amado foi eleito deputado federal pelo PCB pelo estado de São Paulo em 1946. Era a primeira vez que o Brasil tinha eleições para cargos legislativos desde o início do Estado Novo, em 1937. O partido de Luiz Carlos Prestes acabara de sair da ilegalidade, como explicou Anita Prestes, historiadora e filha do líder político em um artigo de 2006.

À época, Anita conta que Prestes lutava pela convocação de uma Assembleia Constituinte que tivesse representantes eleitos pelo voto popular e mobilizou quem havia participado da luta clandestina do partido para as eleições. A campanha elegeu uma bancada composta pelo senador Prestes e 14 deputados, entre eles, o escritor baiano.

A jornalista e historiadora Josélia Aguiar conta no livro “Uma biografia - Jorge Amado”, que o romancista não desejava assumir o posto e que ele inclusive “deixara pronta uma carta de renúncia ao posto de deputado, caso fosse eleito”.

A candidatura ocorreu a contragosto do autor, mas após receber 15.315 votos, Prestes disse que a renúncia causaria péssima impressão. Amado prometeu permanecer no cargo por três meses, período que se estendeu por dois anos, até a extinção dos mandatos dos deputados comunistas em 1948 em razão da cassação do registro do PCB.

Divergência com o PCB

Os parlamentares do partido comunista do período, escreveu Anita Prestes, estavam preocupados com questões como o problema da divisão de terras no Brasil. As propostas apresentadas pelos membros do partido tinham pouca receptividade na Casa, e a maioria das emendas “foram rejeitadas ou indeferidas pelo presidente da Assembleia”, segundo ela.

Além de sua baixa receptividade, o PCB tinha uma orientação ideológica marxista ateísta, que considera a religião o ópio do povo. Por essas razões, Josélia Aguiar narra que Amado achou estratégico não recorrer a seus colegas de partido para aprovar a lei da liberdade religiosa. O próprio romancista escreveu em seu livro de memórias: “fosse da bancada - a emenda nasceria morta”.

A biógrafa do romancista diz que ele fez com que o projeto tramitasse entre várias legendas políticas, mobilizando uma diversidade de assinantes e garantindo a sua aprovação. No final, Aguiar escreve que “não foram apenas os adeptos do candomblé e da umbanda que assinaram, a emenda também se beneficiou do entusiasmo de espíritas e protestantes”.

     O Quadro "Orixás" de Djanira da Motta e Silva, em exposição no Museu Nacional, escapou por pouco da ação de vândalos em 08 de Janeiro/23.

 A luta pela liberdade religiosa

No livro “Navegação de cabotagem”, Jorge Amado lembra que a luta contra a discriminação religiosa, a perseguição aos orixás e a violência desencadeada contra pais e mães-de-santo estava presente em sua vida desde os 14 anos, quando começou a frequentar os terreiros de candomblé da Bahia.

Ainda que ateu comunista, Amado foi próximo de figuras importantes do candomblé e exerceu o posto de Obá de Xangô no Ilê Axé Opô Afonjá, terreiro de mãe Stella de Oxóssi, no bairro do Cabula, em Salvador. No cotidiano das cerimônias religiosas, ele diz ter testemunhado “a violência desmedida com que os poderes do Estado e da Igreja tentaram aniquilar os valores culturais provenientes de África”.

Recordando de sua participação na conquista da liberdade religiosa, o escritor escreveu: “se de algo me envaideço quando penso nos dois anos que perdi no Parlamento é da emenda que apresentei ao Projeto de Constituição, emenda que, vitoriosa, mantida até hoje veio garantir a liberdade de crença no Brasil” (VALENTINA CANDIDO, NEXO, 02 DE MAR DE 2023)

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